Pirenópolis: ontem, hoje e amanhã

Quando meus avós foram morar no Largo da Matriz, em Pirenópolis, recém-casados e cheios de sonhos, há mais de meio século, o lugar era tranqüilo, com sabiás cantadores nas copas do cajazeiro que ali existia. Nos dias festivos, corriam-se Cavalhadas naquele largo, e, nas noites serenas de luar, seresteiros dedilhavam seus violões sob a janela dos casarões centenários. A capital do Brasil ainda era o Rio de Janeiro, e Goiás vivia naquele isolamento que vinha desde o Império, com poucas estradas, minguados recursos e grande poder das oligarquias locais.

Pirenópolis soube tirar proveito desse isolamento e se tornou um dos poucos arraiais nascidos de garimpo a prosperar. Quando foi promovida à “vila”, ainda com o nome de Meia Ponte, na pequena povoação já circulava o primeiro jornal do Centro-Oeste e já se compunham peças musicais de grande valor histórico. Depois, o tempo correu lerdo e modorrento por Goiás, sem grandes alterações para a pequena cidade.

Foi assim até que, na década de 1960, meu tio Geraldo de Pina foi sorteado imperador do Divino e mudou o destino de Pirenópolis para sempre. Ele era deputado federal pioneiro de Brasília, levou Juscelino Kubitschek à terra dos Pireneus e incentivou os moradores da nova capital a conhecer a Festa do Divino e o folclore goiano. Foi um sucesso absoluto, pois pouca gente sabia do valor artístico de Goiás e logo as notícias da nossa cultura correram o mundo com fotos e reportagens bonitas.

O tempo passou, o progresso expulsou as Cavalhadas, destruiu o largo e erigiu uma praça de pedra. Depois, nas décadas de 1970 e 1980, apareceram os “farofeiros” dos subúrbios do entorno do Distrito Federal, e os moradores da pacata cidade assistiam estarrecidos àquela gente feia e suja passar com colchões nas costas e acampar nas margens do Rio das Almas. Tempos difíceis aqueles, com pequenos furtos por toda parte, destruição de praças públicas e brigas violentas, tudo regado a muito álcool e drogas ilícitas.

Quando finalmente aquela horda de baderneiros partia, a cidade virava um lixão fedorento, e quem mais sofria era a natureza exuberante da histórica cidade. Diante da reclamação geral da população pirenopolina, algumas medidas foram eficazes para coibir esse tipo de turismo, como a proibição de acampar nas áreas públicas e a instalação de áreas privadas específicas para camping pago, com a fiscalização do poder público. Essas decisões deram certo e afastaram de vez os indesejáveis “farofeiros”.

A partir da década de 1990, Pirenópolis presenciou um fenomenal crescimento do turismo, com a atração de pessoas que não mais se limitavam a visitar a cidade na Festa do Divino e Semana Santa, queriam se hospedar nos hotéis mesmo durante a semana e passear nas cachoeiras e trilhas ecológicas. E o mais interessante é que esse novo turista, bem diferente do anterior, veio com a família, trouxe progresso para a cidade, incentivou a preservação das cachoeiras e a recuperação dos casarões antigos, assim como o surgimento de centenas de lojinhas de artesanato, com venda de produtos de manufatura local. Foi a época mais próspera de Pirenópolis, quando surgiram dezenas de pousadas e restaurantes novos, organizaram-se as cachoeiras com o fim de exploração econômica, com o amparo do selo ecologicamente correto. Todo esse progresso turístico, no entanto, só ocorreu no âmbito da iniciativa privada, pois o poder público local continuava chumbado ao chão, sem uma política que acompanhasse de forma eficaz o desenvolvimento crescente.

A virada do século, no entanto, trouxe o que considero a maior praga dos tempos modernos – o som automotivo. Essa modalidade execrável de diversão, como não poderia deixar de ser, atraiu de volta para Pirenópolis aqueles “farofeiros” de antigamente, que agora não vêm mais de ônibus caindo os pedaços, mas sim de carros equipados com potentíssimos amplificadores de som. Sem serem importunados por quem quer que seja, começaram a estacionar seus veículos nos passeios públicos do velho largo e ligar os infernais aparelhos sonoros em ensandecidos volumes.

Nenhuma importância foi dada à estrutura frágil dos velhos casarões de adobe e taipa-de-pilão, nem ao sossego dos que desejavam repousar com tranqüilidade. Minha octogenária avó, agora viúva, presenciou sua centenária casa rachar de alto a baixo e por certo que sentiu saudades da Pirenópolis de outros tempos. Como água e óleo não se misturam, esses incômodos visitantes começaram a espantar o turista familiar, que se cansou de acordar altas madrugadas com os inacreditáveis decibéis dos sons automotivos.

No transcorrer de sua história com o turismo, Pirenópolis esbarrou na falta de um projeto eficaz de desenvolvimento, crise agravada com a sucessão de gestores públicos pouco eficientes e com a proximidade cada vez maior de Brasília. Outro fator negativo foi sua inclusão no rol de cidades do Entorno, uma das regiões mais violentas do País, por motivos que ninguém compreende até hoje. Por fim, o município, atolado em dívidas antigas e com parcelas a sumir de vista, viu fugir do seu controle a crescente massa de visitantes que acorriam à velha cidade e reclamavam por banheiros públicos asseados, saneamento básico, segurança eficaz etc. Sem planejamento e com absoluta desorganização, o turismo aumentou mas Pirenópolis não acompanhou esse novo momento de sua história. E o resultado é que, depois do boom inicial, o número de visitantes diminui a cada ano, conforme reclamam proprietários de restaurantes e hotéis da cidade. De fato, não é lá muito atraente tomar refeição da Rua do Lazer e sentir o desagradável odor de esgoto, de lixo não coletado e de banheiros públicos sem asseio.

Com o fim de consertar os rumos dessa história que começou errada e atolar o pé direito no século 21, Pirenópolis apostou todas a suas fichas numa alteração radical e decidiu eleger o jovem prefeito Nivaldo Melo para guiá-la nos trilhos de uma nova era. Dele se espera que fomente um turismo de qualidade, que valorize as diferentes manifestações culturais e afaste aqueles indesejáveis baderneiros perturbadores do sossego alheio. Nessa nova era, espera-se voltar a apreciar, com tranqüilidade e silêncio, um show de piano e violoncelo no teatro, uma apresentação cultural na Rua do Lazer, ou um simples passeio com a família por ruas e becos históricos.

O novo prefeito de Pirenópolis tem em suas mãos o destino da velha cidade e poderá se imortalizar na história como aquele que trouxe de volta os sabiás e os seresteiros ao velho largo da Matriz.

Texto de autoria de Adriano César Curado, publicado no Diário da Manhã do dia 15.10.2008).

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