NA MESA DO BARZINHO

O barzinho hoje em dia virou uma extensão da casa. Ali as pessoas comem, bebem, encontram-se com a família etc., e tem gente que literalmente mora lá dentro.
Mas conviver num barzinho tem regras e rituais próprios que devem ser rigorosamente seguidos, sob pena de o freqüentador parecer marinheiro de primeira viagem – e para quem gosta dum boteco, cá para nós!, não há nada pior que isso.
Ritual de barzinho! Você nunca pensou nisso, hein!
Vamos a eles.
Num primeiro momento saiba que o boteco tem uma certa hierarquia, que não deve ser quebrada. O sujeito que lá freqüenta quase todos os dias já chega mais cedo com a desculpa de guardar lugar para os demais, então escolhe a melhor posição na mesa, de preferência aquela que dá vista para todo o ambiente e tenha um plano de fuga fácil no rumo do banheiro. Não tente quebrar isso e se sentar no lugar desse veterano, pois isso poderá lhe custar a exclusão do grupo.
Quando você chegar, e se demorar muito, reservaram-lhe o pior lugar, que é aquele de costas para o povo e de frente para o reboco manchado da parede. Como você não chegou mais cedo, não deve reclamar de nada e apenas torcer para que alguém vá embora logo e lhe ceda um lugar mais, digamos!, arejado.
Todo mundo se sentou nos devidos lugares?! Lá vem o garçom. Embora todos saibam exatamente o que querem (os homens uma cerveja gelada em copo de boteco – aqueles americanos –; as mulheres, campari, bacardi, montila, margarita etc.), não tem jeito, espalham-se aqueles nojentos cardápios ensebados pela mesa e fica-se com uma caneta e um bloquinho com aguardo do pedido: o que vão querer hoje?
Outra coisa, repita o que todo mundo faz, embora não se saiba a serventia disso: jogue seu celular sobre a mesa. É isso mesmo! Não sei para quê o povo espalha celular sobre a mesa de boteco. Basta uma olhadela pelo ambiente e se nota que todas as mesas têm telefones. E não é para exibir, não, pois hoje em dia todo mundo tem o seu.
Chegou o pedido, você já olhou dez vezes no visor do celular, como se esperasse uma ligação importantíssima, e já decorou os contornos do reboco da parede, então começa a zoeira. Tem sempre alguém metido a engraçado e que quer fazer o restante rir. Troça com o garçom, conta piadinha sobre os ocupantes das outras mesas, quer abrir a cerveja no dente, e quando você começa a azarar aquela gata ao lado, pronto!, o sujeito sai com essa: “Você é pegador mesmo, hein cara! Não sai daqui sem catar uma mulher diferente!” Não satisfeito, aproveita que a moça foi ao banheiro e começa a enumerar seus ex-namorados, ficantes e amantes: “Já passou na mão de todo mundo aqui! É só cantar! Mas chega matando, porque se der bobeira outro pega!”
Sem graça, você sorri amarelo, ao mesmo tempo em que chega a conta. E aí começa outro tormento. “Só os homens pagam!”, grita alguém. Então o valor total é R$97,43, são quatro homens, dá R$24,35 para cada. Todo mundo dá R$25,00, mas tem sempre alguém que quer os centavos de troco. Geralmente aquele que fez piadas sem graça o tempo todo. “Deixa para o garçom!”, você argumenta. Mas não tem jeito. Todo mundo ali esperando os sessenta e cinco centavos do sujeito.
Leve porque já vai embora e ainda acompanhado da moça que tanto lhe encantou, você se despede rápido de todos e, no instante em que vai estender a mão ao comediante frustrado, este o puxa para si, quase o desequilibra e lhe sussurra ao ouvido: “Ó meu, dá uma carona aí que não tenho carro!”
Adriano César Curado
24 de janeiro de 2007

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