NATAL NO INTERIOR

Não faz muito tempo e o Natal era uma festa bem diferente. O povo era mais pobre e não tinha acesso a tantas inovações, portanto se virava como podia. Mas nem por isso deixava-se de celebrar a festa máxima do cristianismo.
Em Pirenópolis havia a tradição sagrada dos presépios. Cada qual organizava o seu de acordo com sua posses. Tinha presépio lindo e luxuoso, com bichinhos importados e confeccionados com louça fina ou mesmo materiais mais nobres. Mas via-se também uma grande quantidade de presépios populares, feitos pelos artesãos locais e ornados com simplicidade e criatividade. Presépio de rico possuía boa iluminação, com areia branquinha do rio das Almas e um Menino-Jesus deitado em berço ricamente ornado. Os dos pobres eram bem mais humildes, com os personagens de celulóide, Jesus deitado num cocho talhado a canivete, José e Maria toscamente dispostos ao seu lado.
No entanto, fosse rico ou pobre, os presépios sempre atraiam a população e recebiam oferendas ao final de cada novena. Sim, as pessoas se reuniam em torno daquela representação do nascimento de Jesus, oravam pedindo proteção para o ano que vem e se confraternizavam em harmonia e paz. Essas oferendas eram deixadas como doação ao dono da casa – uma fruta, um doce –, e muitos compravam azeite para alimentar os candeeiros que iluminavam o presépio dia e noite, do instante em que era montado até sua desmonte na festa dos reis-magos.
A noite de Natal era um instante para reflexão, oração e união. Vivia-se naquele clima de paz e contentamento, pois a data era evocativa a esses momentos espiritualmente elevados. Trocavam-se presentes, é verdade, mas nada de tão elevado valor e nem capaz de ofuscar o brilho principal da celebração. Não havia discussões ou brigas.
Na hora da ceia, os membros da família se reuniam em torno da mesa, felizes por mais um ano juntos e com saúde e paz. Serviam-se empadões assados em grandes formas de cobre, recheados com frango, batata, carne de porco, lingüiça, catolé e gueroba. Uma leitoa atravessava solenemente a grande mesa na varanda e aguardava que os mais velhos dela se servissem primeiro – questão de respeito. Acompanhamento era arroz bem soltinho e feijão de caldo grosso cozinhado toda uma noite ao borralho dum fogão a lenha, numa panela de barro.
Bebida alcoólica era vinho, tinto, encorpado, com borra no final do vasilhame. Geralmente comprava-se um garrafão inteiro e serviam-se em copos de massa de tomate, pois ninguém tinha taças chiques para usar.
Depois da farta ceia vinha a sobremesa. Era um desfile sem fim de doces e frutas temporãs ou exóticas. Serviam-se compotas as mais variadas, em vasilhames de cristal herdados dos antepassados: goiaba de rodelas em caldas, laranja da terra picadinha e mergulhada num caldo grosso, mamão desfiado ou ralado com pedacinhos de canela em lasca e bastante cravo. Os cristalizados faziam a festa da meninada: passas de caju, figo amarelado no açúcar mascavo, bananas secadas ao sol, e por aí vai.
Hoje meteram um tal de papai-noel na história! Até agora não entendo o que esse personagem faz no Natal, já que furta o brilho da mensagem de paz e confraternização trazido por Jesus. A meninada não visita mais presépios e nem se interessa pelas orações familiares, pois estão mais preocupados com os presentes importados da China, uns aparelhos barulhentos e que ninguém sabe ao certo como funciona plenamente. Na ceia introduziram a cerveja em excesso e um tal de faisão que, por ter vindo lá da Ásia, deve ter trazido consigo os tais brinquedos barulhentos. Come-se e bebe-se em exagero, conversam-se coisas desagradáveis, geralmente envolvendo a vida alheia, e tudo termina no dia seguinte em três palavras: ressaca, azia e arroto choco.
Que diferença do Natal de outrora no interior!

ADRIANO CÉSAR CURADO
18 de dezembro de 2007

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