CADÊ A CHUVA?

Lembro-me como se fosse hoje da fartura de chuva na minha infância. As férias escolares de final de ano se estendiam de novembro até o Carnaval. Não havia tanta exigência quanto hoje e a grade curricular era bem menor. Por conseguinte, eu passava boa parte do ano na fazendo do meu avô, lá no Município de Goianésia. Eu morava em Pirenópolis, mas quando finalmente recebia o boletim escolar de cor amarela e que me informava que fora aprovado, arrumava minhas malas e entrava num ônibus para a fazenda.
Agora entra a chuva na história. O aguaceiro que começara em meados de setembro, alcançava aquele princípio de outubro com força total. Lembro-me de olhar pela janela do ônibus e surpreender-me com as cachoeiras de enxurrada que escorriam pelos barrancos, alagavam estradas e, não muito raro, criavam atoleiros traiçoeiros.
Os atoleiros era o pior. Naquele tempo, final da década de setenta, poucas estradas goianas eram asfaltadas. Então os motoristas improvisavam como dava para transitar no período de chuva. O mais popular dos recursos era o uso de correntes que envolviam os pneus e ajudavam na tração. Alguns automóveis não ligavam para atoleiros, como o Jeep e a Rural, da Aero Willys, carros potentes e de tração nas quatro rodas. Mas os ônibus e caminhões padeciam bastante. Veículos pesados e com pouca probabilidade de embalo (geralmente os atoleiros ficavam numa ladeira), eram vítimas constantes dessas armadilhas da natureza. Já pousei dentro de ônibus grudado no barro.
Depois que chegava à fazenda de vovô, era aquela alegria, pois sabia que só voltaria em fevereiro e poderia aproveitar para soltar o moleque dentro de mim. Mas a chuva dava pouca trégua. Desabava um dilúvio do céu de domingo a segunda. Final de ano meu avós voltavam para Pirenópolis, ocasião dos festejos do Natal e Ano-bom, e a caminhoneta C-10 dançava dum lado ao outro da estrada, correntes atadas às rodas da tração, mas não ficava nos atoleiros do caminho. Não era raro levar notícias dos atolados para parentes e amigos que ficaram, avisos do tipo: vamos demorar, não se preocupem!
Nas festas de final de ano lá estava o convidado imperdível: a chuva. Orações nas novenas do presépio e o aguaceiro lá fora, como se quisesse rezar também. Terminavam essas comemorações, demorávamos um pouco mais na cidade, e então entrava o veranico de janeiro, período de estiagem que durava algumas semanas, tempo de secar o que a chuva encharcara e se preparar para novo inverno, que duraria até por volta de abril.
Hoje vejo que não chove mais. Quando muito, desaba um temporal, enxurradas violentas que arrastam pessoas e até carros, mas não têm o poder de infiltrar na terra e quebrar a dormência das sementes. Essas chuvas esporádicas surgem geralmente quando o calor aperta, como se a natureza quisesse dar um refrigério às criaturas atingidas pelas altas temperaturas. Antigamente havia duas estações bem definidas no planalto central do Brasil: uma chamada “seca”, que ocorria em todos os meses sem “erre” (de maio a agosto), e outra denominada “águas”. Hoje, quiçá por influência da cultura de massa, quando chove dizem que é “chuvinha de verão”; e quando uma brisa mais amena assopra no meio do ano (sim, pois não faz mais frio por aqui), afirmam que é o “inverno”. Tudo invertido!
Com o tempo, no entanto, a população se acostumou com a falta de chuva e começou a construir casas em locais antes impensáveis, como encosta de rios; e agora é só cair um chuvisco e a mídia corre para noticiar desabamentos e soterramentos desses pobres infelizes. Criou-se então a cultura anti-chuva. O que antes era sinônimo de fartura no campo e clima saudável, agora virou matéria de horror nos noticiários do dia-a-dia.
Não faz muito tempo que ocorreram os fatos que narrei sobre minha infância, época em que presenciei a abundância geral trazida pela chuva regular, mas hoje olho para o céu limpo e pergunto-me que qualidade de vida meus filhos herdarão. Será que também conhecerão as magníficas cenas da natureza que presenciei, ou só verão uma Terra devastada? Fica aqui uma mensagem de alerta para a nossa geração.

Adriano César Curado
27 de novembro de 2007.

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