Fazenda Chumbado



Hoje vou falar um pouquinho aqui da Fazenda Chumbado, antes localizada no Município de Pirenópolis e hoje pertencente ao de Goianésia, ambos em Goiás. Ela foi comprada pelo Mestre Propício (Joaquim Propício de Pina), no início do século 20, para criar gado e investir dinheiro. Mais tarde, com a morte de Propício, herdou-a seu filho Luiz Abadia de Pina (Lulu), que ali mandou construir um complexo de casas de alvenaria, todas de grandes proporções, com mourões e cumeeiras de aroeira, pranchões nos assoalhos e janelões de grossas tábuas.


A fazenda destinava-se, principalmente, à crianção de gado vacum, mas tinha também um grande engenho de três moendas para moer cana-de-açúcar. Sobre esse engenho, aliás, digno de nota era sua engrenagem. O caldo da cana moída escorria para um cocho de madeira abaixo do nível do chão, escoava por um cano subterrâneo até despencar na cozinha rebaixa, local em que ficava depositada num outro cocho, este de proporções descomunais, onde aguardava que as duas tachas de cobre esquentassem para cozinhar o melado. Desse melado extraía-se tanto a rapadura quando a pucha (moça-branca); ou mesmo o próprio melado era armazenado para ser consumido como sobremesa (misturado com farinha ou mandioca cozida).


Lulu de Pina era meu bisavô, e quando ele faleceu (em 1974) a fazenda ficou sob a administração de meu avô José, que ali dedicou boa parte de sua vida. E foi justamente nesse período (década de 1970), que vivi ali uma infância multicolorida (repleta de aventuras, sabores exóticos, aromas indescritíveis). Gostava de ver os bois carreiros imensos na moagem da cana, nas frias madrugadas de junho. A cozinha rebaixa, como o próprio nome diz, ficava abaixo do nível do engenho, e eu, na proporção de menino, vislumbrava os bois como se seus chifres fossem tocar o céu.


A fazenda era toda cercada de muros de adobe, com grossas pedras em cima para evitar a infiltração de água. Era o cenário predileto para que eu, minha irmã e meus primos brincássemos de coronéis, jagunços, piratas, anhangueras, índios, e por aí vai. Levávamos cada queda desses muros...!


O casarão da fazenda era muito grande, tinha uns quartos fechados que a gente não podia entrar. Dormíamos em camas de correia e colchão de capim ou cabelo, que eram confortabilíssimos e asseados. Da janela do meu quarto eu via as serras arredondadas mais adiante, e como dormia perto do curral, todas as manhãs era acordado pelos ruídos da lida com o gado. Então não tinha jeito, levantava-me e ia com meu copo de alumínio buscar aquele leite espumoso que só vovô sabia tirar. Outro fato digno de nota é que no meu quarto eu tinha um curral com grande quantidade de tropa e gado feitos de buriti por meu pai.


Por aquele tempo as férias escolares eram longas (no final de ano começavam em novembro e só findavam depois do Carnaval) e eu passava o tempo todo na Fazenda Chumbado. Cresci entremeio à peonada, conduzindo boiada dum lado ao outro, às vezes em córrego cheio, ao som dum lamurioso berrante. Vovô tinha dezenas de trabalhadores ao seu mando e quase sempre pagava as empreitadas com mantas de toucinho ou tijolos de rapadura, bens mais preciosos que ouro para aquela gente habitante dos sertões goianos.


Era um entra-e-sai de peão o tempo todo. Como chovia bastante naquele tempo, vovô às vezes me mandava levar pinga na xícara para servir aos que labutavam debaixo de aguaceiro. Eu achava interessante servir uma dose de aguardente aos que roçavam encharcados e com as mãos trêmulas e observar que logo eles aqueciam e paravam de tremer. Nunca provei daquela pinga, mas achava o cheiro espetacular.


A fazenda foi vendida em 1980 e vovô, inconformado com isso, morreu três anos depois. Soube que após isso a Fazenda Chumbado passou por diversos proprietários, até que, por falta de pagamento de impostos, foi desapropriada pelo Incra e ali foram assentadas famílias de sem-terra. Os casarões que compunham o conglomerado da casa-sede ruíram, e quase nada restou do grande explendor de outrora.


Mas ficou em minha mente a lembrança da infância, do tempo em que eu era peralta e não me preocupava com muita coisa. Saudades de vovô, da Fazenda Chumbado e do menino que um dia habitou dentro de mim.


by Adriano César Curado

6 comentários:

Anônimo disse...

Eu me lembro dessa fazenda. Passeio por lá uma vez, acho que na década de 1980, quando ia para a região de S. Gonçalo, onde papai tinha uma terrinha. Os casarões do Chumbado eram mesmo muito bonitos, feitos de aroeira, com paredes de adobe. Parabéns pelo texto.

Fernando Agripino

Anônimo disse...

A Fazenda Chumbado deu suporte para a construção da cidade de Goinésia, mas isso pouca gente sabe.

Patríca Melo Soares Pires

patripires2hotmail.com

Anônimo disse...

Os casarões coloniais das fazendas atigas deveriam ser tombados pelo patrimônio histórico. Que pena que tão linda estrutura não existe mais.

Márcia Fabiana

fabiandrada@bol.com.br

Anônimo disse...

Conheci alguns membros da Família Pina aqui na Bahia, será que ele têm alguma ligação com os de Goiás?

Fabrício Marinho da Silva Santos

fabrihmtl@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Acho que você deveria falar mais dessa fazenda, ela faz um sucesso aqui na Net.

Pedro Henrique

henripequeno@...

Anônimo disse...

Passei por lá ano passado. A região virou acampamento de sem-terra, ou sem-teto, não sei. Tem lona plástica preta para todo lado. Acho que o governo deveria dar mais condições de sobrevivência digna para essa gente. É muita judiação ficar o povo como está.
E tenho dito!

Maria da Anunciação Neta

netinha_quereida@...